Segue para a Câmara dos Deputados o projeto de lei que altera o Código Civil para dar aos condomínios edilícios o direito de adquirir a qualidade de pessoa jurídica. O PL 3.461/2019, do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) foi aprovado pelo Senado.
Na apresentação do projeto, o senador lembrou que atualmente, a partir do registro, o condomínio já adquire diversas obrigações legais, como o cadastro na Receita Federal a fim de obter o CNPJ, o dever de recolher contribuições sociais e preencher livros fiscais. Além disso, pode entrar com ação na Justiça representado pelo seu administrador ou síndico, mas ainda não tem o reconhecimento de personalidade jurídica.
Mas então eis que surgem as dúvidas. Porque o Condomínio não é pessoa jurídica se ele possui CNPJ? Se faz as vezes de empresa? Essas questões aparecem com frequência, especialmente porque os tribunais brasileiros equiparam os condomínios a pessoas jurídicas em diversas ocasiões.
O próprio relator do projeto, o senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), deixa isso bem claro ao afirmar que já existe, na perspectiva social, a visão do condomínio edilício como sujeito de direitos e deveres. Ato contínuo, a doutrina e jurisprudência vêm consolidando o entendimento do condomínio como pessoa jurídica, desta forma, assegurando personalidade jurídica ao mesmo.
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Lacuna Legislação
Na opinião de muitos especialistas existe uma lacuna na legislação em relação à personalidade dos condomínios, já que eles não se constituem como pessoas físicas tampouco estão legalmente estabelecidos como jurídicas.
Sendo assim, já que o condomínio não é pessoa física nem jurídica, sua natureza é considerada anômala. Por definição, ele é um “coletivo de cidadãos, pessoas físicas com interesses comuns que partem da aquisição da propriedade e sua consequente manutenção”.
A questão sobre sua natureza jurídica surge, porque o condomínio pode contrair obrigações e adquirir direitos, como por exemplo, contratar funcionários, assinar contratos, assumir dívidas e ser parte em juiz, além de possuir obrigações tributárias e trabalhistas assim como uma empresa.
Mas continuam não sendo pessoa jurídica, e por isso não declaram e pagam imposto de renda próprio, assim como não podem comprar imóveis, por exemplo.
A advogada especialista em direito condominial, Danielle Nunes de Brito, reforça a importância e necessidade do PL, segundo ela, a questão de o condomínio não possuir personalidade jurídica definida já é uma coisa que se discute há muito tempo.
“Tornar ele uma pessoa jurídica constante no hall, previsto pelo código civil, é consolidar na verdade tudo o que já tem sido visto na prática da jurisprudência, porque condomínio é equiparado a uma empresa quando ele adquire a inscrição no CNPJ na Receita Federal, então ele tem a capacidade postulatória de ajuizar uma ação em juízo ou de ser parte até como réu. Ou seja, a jurisprudência já vem se pacificando no sentido de considerar o condomínio como uma pessoa jurídica, ainda que, ele assim não seja reconhecido legalmente”, explica a advogada.
Responsabilidade do condomínio
Para Danielle Nunes de Brito, o que precisa ser visto e observado nesse projeto de lei é a questão de como vai ficar a responsabilidade do condomínio. Segundo o texto, o condomínio vai permanecer tendo registro no cartório de registro civil de pessoas jurídicas, ou seja, não vai ser considerado uma empresa, não vai ter registro na junta comercial, então não tem como equiparar, por exemplo, a uma empresa de sociedade limitada, na qual é possível separar a responsabilidade do sócio com a responsabilidade da sociedade como um todo.
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“Provavelmente vai precisar equiparar como uma associação que tem a separação da responsabilidade dos associados para a associação no geral, então isso é algo que precisa de cuidado e que talvez esse projeto de lei ainda não responda tudo”, pontua a advogada. Para ela existem ainda algumas lacunas no PL.
Na opinião dela o projeto como um todo é positivo, mas precisa ser bem delimitado a parte da responsabilidade do condomínio. “No geral eu acho que é uma boa notícia, um bom ponto a ser tratado e quem vem realmente consolidar tudo que já tem sido visto na doutrina jurisprudência, na prática dos casos concretos”, finaliza.
Requisitos
Pelo texto, a transformação em pessoa jurídica ocorrerá quando o condomínio registrar, em Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o documento da criação, a convenção e a ata da decisão pela constituição da pessoa jurídica, com o voto favorável dos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais.
A intenção é resolver problemas burocráticos que alguns condomínios têm enfrentado. Apesar de concordar que há uma lacuna na lei, o líder do PT, senador Paulo Rocha (PT-PA), disse que a solução encontrada pelo projeto é muito mais política do que jurídica. Ele votou a favor do texto, mas alertou para possíveis problemas futuros, especialmente na questão patrimonial.
— Não há, na lei brasileira, um regime jurídico totalmente adequado para enquadrar os condomínios e o projeto faz uma escolha que considero adequada, já que o regime das pessoas jurídicas é o que mais se aproxima da realidade dessas entidades sui generis. Certamente irão aparecer novos problemas no futuro em razão dessa escolha — disse o senador, ao sugerir aperfeiçoamentos durante a análise na Câmara dos Deputados.
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Registro
A proposição altera também a Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015, de 1975), para determinar a possibilidade de registro do ato, da convenção do condomínio, e da ata com a decisão pela constituição da pessoa jurídica no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas.
O texto foi aprovado com uma emenda apresentada pelo senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB). De acordo com o novo artigo inserido no texto, os valores cobrados para inscrição do condomínio no Registro Civil de Pessoas Jurídicas não podem tornar impeditiva a inscrição de condomínios formados por pessoas de menor poder aquisitivo.